
Olhos perfeitamente delineados, lábios delicadamente coloridos.
Sorriso encantador, doçura contagiante.
Assim desfila aquela mulher na rua. Quem a vê sente sua segurança, se rende ao seu charme.
Alegre, está sempre a cumprimentar alguém. Simpática, está sempre a receber elogios, carinhos.
Passos leves, não tem pressa de chegar, apenas chegará.
Até que vem a noite, e a água morna que cai sobre ela revela seus segredos. Lábios trêmulos e nus prendem o grito de desespero que tenta fugir junto as lágrimas que lavam seus olhos. Sorriso diluído em água e sal, doçura passiva de quem não quer se mostrar.
Liberta-se nesse instante toda a insegurança que se escondia por trás de toda a maquiagem e expressão quase mecânica. Ali, percebe-se que todas as suas saudações matinais são meras palavras que esboça, sem dar a elas o real significado. Ali percebe que mesmo equilibrando-se em duas pernas, sua alma rasteja.
É no silencio da noite que ela traça um novo caminho, pois sabe que não chegou a lugar algum, e nem sabe se realmente chegará.
Nos poucos momentos de sensatez que ainda lhe resta, pode observar o quanto coisas tão claras e óbvias se escondem nas frases feitas, no som da música alta e nas imagens que lhe rouba a atenção.
Na companhia mais sincera – a própria-, consegue direcionar seu olhar e filtrar toda a verdade e todo adorno existente. E dói. Dói perceber que a ilusão mais bonita foi alimentada unicamente por ela mesma, por que só ela tem o poder de alimentá-la, é dela a decisão de acreditar ou não.
E é assim, nesse momento cruel que ela mostra pra si que a grande muralha é apenas ruína, maquiada com sorriso perfeito e olhares milimetricamente desenhados.